Projeto Octo: o poder da iniciativa voluntária na vida de recém-nascidos

By Aline Rocha - março 21, 2019

Projeto Polvo de Amor 

In Memoriam Márcia Elisabeth - "Projeto Polvo de Amor" - Brasília


No final de 2018 entrei em contato com o projeto para produzir uma matéria que seria utilizada na faculdade. Márcia, a idealizadora do Projeto Polvo de Amor em Brasília, me recebeu de braços abertos. Márcia faleceu na madrugada de hoje, 21/3, em decorrência de uma parada cardíaca. A matéria a seguir foi feita com muito amor e carinho... Que todos aqueles que participam do projeto, família e amigos da Márcia sintam-se confortados, sabendo que ela deixou um projeto lindo para trás.
Com carinho, Aline Rocha

Projeto Octo: o poder da iniciativa voluntária na vida de recém-nascidos

Polvinhos produzidos para distribuição nos hospitais.

Em um ano, cerca de 2,8 milhões bebês nascem no Brasil. Dentre eles, aproximadamente 340 mil são prematuros e, em âmbito mundial,  são aproximadamente 15 milhões de crianças que antecipam a vinda. O Dia Internacional de Sensibilização para a Prematuridade, celebrado em 17 de novembro, intensificou a assistência da população durante o mês com relação aos bebês prematuros. São crianças que chegam ao mundo antes de completar as 37 semanas de gestação.  

Projeto Octo, originado na Dinamarca em 2013, foi criado por uma blogueira com o propósito de ajudar na recuperação dos bebês prematuros nascidos em UTIs Neonatal no país. A ação se expandiu e ganhou força em todo o Brasil. Com isso, diversas mulheres colaboram voluntariamente com o projeto. Elas fazem polvos de crochê. A cabeça do animalzinho feito pelas mãos de artesãs relembra a placenta da mãe. Os tentáculos fazem referência ao cordão umbilical. Quando em contato com o bebê, ele sente a aproximação do útero materno.

Maya, beneficiada pelo Projeto Octo na Dinamarca. Uso das imagens autorizado por Spruttegruppen.dk

Na Dinamarca, a ideia do projeto surgiu com o pedido de um senhor que estava com o filho prematuro internado em um hospital na cidade de Århus. Ele entrou em contato com a blogueira responsável pela iniciativa contando dos benefícios do animalzinho de crochê e, depois de três meses, já estavam presentes em todos os hospitais dinamarqueses.


Migração do projeto para o Distrito Federal 

Ana Marily Soriano, médica pediatra neonatologista do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), da Maternidade Brasília e do Hospital Santa Luzia, trouxe a iniciativa para as maternidades de Brasília e também foi a responsável por incorporar o programa a nível nacional. “Conheci o projeto Octo durante uma visita em um hospital nos Estados Unidos. Me falaram da ONG original na Dinamarca, acessei o site deles, conheci o projeto e entrei em contato”, relata. 

Ela explica que, apesar de não existirem publicações científicas com relação aos benefícios dos polvinhos, acredita-se que os crochês deixem os recém-nascidos mais calmos. “Os tentáculos do polvo se assemelham ao cordão umbilical, poderia ser qualquer brinquedo que aconchegasse o bebê, mas, devido a similaridade com o cordão, o polvo  foi o escolhido.”

Clarice, Ana Marily e Márcia (in memoriam) na oficina do Projeto Polvo de Amor.
As únicas crianças que têm restrições quanto ao uso do polvinho são aquelas  muito prematuras, que pesam menos de um quilo e têm uma pele mais sensível e risco de infecção. Mas, ainda assim, com 10 dias de vida eles são entregues aos bebês.
Márcia Elisabeth Moreira, artesã na Feira da Torre, foi a responsável por iniciar o grupo Polvo de Amor, em Brasília. A primeira criança beneficiada pelo projeto no Distrito Federal foi Benício. Ele teve o polvinho confeccionado por Márcia em abril de 2017. 
Ela conta que a avó da criança, Katia Nascimento, procurou uma artesã da feira que faz lembrancinhas de maternidade com o intuito de comprar o polvinho para aconchegar o neto que tinha acabado de nascer. Essa artesã indicou que Katia procurasse Márcia, e ela o fez. 

Márcia conta que não tinha experiência com a produção do polvo, mas sabia que a confecção não poderia ser vendida, apenas doada. Mesmo assim, aceitou o desafio. “Virei a noite de sábado para domingo fazendo o polvinho e o entreguei, no domingo mesmo, para a avó”, conta. “A mãe do bebê, Bianca, me mandou uma mensagem muito emocionada, agradecendo, porque num momento muito difícil alguém tinha feito alguma coisa pro filho dela”, acrescenta.

Experiências com o polvinho de crochê

Isadora Giovanna Mafra, 23 anos, é a irmã de Benício, o primeiro bebê beneficiado com o projeto. Ela conta que a família estava passando por um momento muito delicado com o irmão internado na UTI e, vendo o sofrimento da mãe, decidiu ir atrás do polvinho, junto de sua avó, para trazer mais conforto para o Benício e sua mãe. “Não existia lugar que fizesse a doação aqui em Brasília, apenas fora da cidade. Como o Benício foi ressuscitado de uma parada cardíaca com dois dias de vida, nós queríamos o polvo com urgência”, explica. “Tive a ideia de ir na Feira da Torre com a minha avó, onde sempre frequentamos, porque sabia que muitas pessoas fazem crochê lá, e foi assim que conhecemos a Márcia”, complementa. 

Isadora afirma que, depois da chegada do polvinho, seu irmão já estava estável, mas acredita que ele ajudou a aquecer Benício e representar uma forma de conforto para a mãe. “É uma forma de nos representar ao lado do nosso bebê, como uma forma de conforto, ver que o nosso bebê não está sozinho.” A mãe do Benício, Bianca Nascimento Romão, afirma que “o polvinho, quando chega, já preenche de amor a família, a mãe, o pai e todos que estão por perto, inclusive os profissionais, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e médicos. Ele vem com uma carga de amor que torna difícil explicar, é apenas sentido.”

Benício com o primeiro polvinho do projeto de Brasília
Suelem Martins Sátiro, 32 anos, e Sylvio Carlos de Vasconcelos, 40, são pais da pequena Elis, que nasceu de 31 semanas de gestação. Eles contam que, além de todos os benefícios que trazem para a criança internada, a imagem do animalzinho colorido e com o rostinho sorridente ajuda de maneira lúdica. “Me ajuda bastante, como mãe, ver que ela não está sozinha, que tem um companheirinho dentro da incubadora para fazer companhia”, explica Suelem. Ela complementa que foi um auxílio para ajudar a filha mais velha, Eva, a passar pela situação de ter a irmã internada logo depois de nascer. “Quando ela veio conhecer a Elis, já tinha a imagem da irmã, dentro da incubadora, com o Chininho (o polvinho) ao lado. Ele fez muita diferença nesse processo, porque foi um elo criado entre elas”, explica.

O projeto se expandiu pelo país inteiro. Luciana Trentin é a responsável pela iniciativa no Rio de Janeiro. Paulista, mas moradora da capital carioca, ela conta que a ideologia é a mesma. “Nossa motivação é ver que com tão pouco podemos fazer a diferença na recuperação dos bebês e levar aconchego às famílias.” 

Luciana relata que o projeto começou por influência da ação de Brasília e com apenas cinco voluntárias em São Paulo e cinco no Rio de Janeiro (ela, o marido, dois filhos e uma amiga). Hoje, pouco mais de um ano após o início do grupo, são 153 pessoas voluntárias já cadastradas.

“São pessoas que trabalham nas suas casas, no intervalo  de tempo que possuem. Não existe limite de polvo para entregar nem tempo. Nos reunimos uma vez por mês onde arrecadamos as doações e distribuímos o material para a confecção”, conta Luciana.

Voluntariado

Com um ano e meio do Projeto Octo em Brasília, diversas voluntárias fizeram e fazem a sua contribuição, seja ela produzindo os polvos, doando material ou entregando os animaizinhos nas maternidades da capital. Nesse período já foram entregues mais de 3 mil polvos em toda a cidade e, todos eles, feitos com iniciativa voluntária.

Márcia conta que diversas realidades colaboram com o projeto. Dentre elas está Clarice.  Surda-muda e semianalfabeta, produz cerca de 100 polvinhos por mês. Como sua única ocupação, encontrou no projeto uma maneira de sair da depressão e, com isso, conseguiu uma ocupação que, além de ajudar ao próximo, colabora na sua saúde mental. 

Além dela, dona Délia, 94 anos, era a voluntária de mais idade a colaborar com o projeto. Ela faleceu mês passado. Como uma homenagem à pessoa que ela era e toda a sua contribuição com a iniciativa, Márcia e todas as participantes do projeto entregaram à família o polvinho de número 3 mil na última oficina. 

Voluntárias do projeto com os polvinhos já separados para doação nos hospitais do DF
Roberta Gonçalves de Quadros, 53 anos, é mais uma das voluntárias do projeto. Sua função é, além da confecção do bichinhos, a entrega nas maternidades. De acordo com ela, o projeto trouxe um meio de ocupar a mente. “O projeto me permite produzir os polvinhos aonde eu estiver (em casa, viajando, no rancho, à espera de consultas etc.) e nas minhas horas livres, sem que eu tenha que me deslocar nem cumprir horários”, explica. 

Assim como muitos outros voluntários, Roberta vê uma maneira de ajudar ao próximo sendo voluntária. “Quando doo os polvinhos, fico motivada pelo fato de estar auxiliando na recuperação e desenvolvimento de bebês prematuros e, quando ensino o crochê para outras mulheres, vejo que abro uma oportunidade tanto como passatempo quanto uma provável fonte de renda”, afirma.


In memoriam Márcia Elisabeth Moreira (1961-2019)


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2 comentários

  1. Aprendi no projeto a fazer, mas aqui em Belo Horizonte/MG a mais de um ano atras entrei em contato com hospitais e nenhum usava, por falta de um material que fazia a limpeza dos amigurumis...sendo assim tenho vários feitos, e não acho justo gastar ainda mais para enviar para Brasília...fiquei decepcionada...e parei...me desculpe pelo desabafo. Obrigada.Boa noite.

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  2. Oi, Meire! Tudo bem? Peço desculpas pela demora para responder. Estou te enviando o link do Projeto Octo Brasil, eles centralizam todos os grupos do país. https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1291675834289216&id=1155035351286599
    Esses são os endereços dos projetos no Brasil, pode ser que encontre um mais perto de você! Espero ter ajudado!

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